10 de abril de 2008

Para onde vai o rRNA 28S dos bivalves?



Quando comecei a extrair RNA das espécies com que trabalho (moluscos bivalves), eu analisava as amostras por eletroforese em gel de agarose não desnaturante. Ás vezes, eu via duas bandas, outras, apenas uma. O curioso é que quando apareciam duas bandas, a menor sempre era bem mais intensa que a banda maior! E quanto menos intensa era banda maior, mais intensa era a menor. Ou seja, o contrário do que deveria ser uma amostra de boa de qualidade...
Bom, meu RNA deveria estar bem degradado, não é? Na verdade, não. Pois se a banda maior tivesse simplesmente degradado, deveria se formar um rastro ou bandas menores. Mas, nem uma, nem outra coisa ocorria. Apenas a banda menor aumentava de intensidade.
Quando passei a fazer o gel em condições desnaturantes, comecei a ver sempre apenas uma banda! “Perdi a mão de vez!”, pensei. Mas, novamente: uma banda apenas, sem rastros, nem nada, sem indícios de degradação! Foi quando o Mauro comentou que algo parecido acontecia com algum protozoário e sugeriu que eu pesquisasse melhor sobre isso e eu, por livre e espontânea pressão (brincadeira!), fiz algumas buscas no pubmed, meio ainda sem saber o que procurar.
Eu admito que tinha um certo preconceito com artigos velhos. O que vai ter num artigo da década de 60 que não tem numa revisão mais recente? E as figuras feias? Xerox mal scaneada? E os métodos que ninguém mais usa? Mas eu estava totalmente errada! Por mais “feios” que sejam, eles descrevem os princípios das coisas que ninguém mais, por motivos diversos, se dá ao trabalho de descrever , mas que fazem toda diferença, como o que eu estava tentando saber.

Tanto que o primeiro (e segundo, e o terceiro...) artigo relevante que eu li é bem antigo (Venkov & Hadjiolov, 1969) e falava sobre a instabilidade do RNA 28S em relação ao 18S de fígado de rato. Eles mostraram que em várias condições (de temperatura e força iônica), o RNA 28S se fragmentava em pedaços menores enquanto o 18S continuava íntegro. E, por fim, levantavam a possibilidade de isso ocorrer devido à presença de alguma hidden break, mas não explicavam bem o que era isso.
Quando li um segundo artigo, sobre o mecanismo de inserção de uma hidden break no RNA 28S de insetos (Fujiwara & Ishikawa, 1986), consegui finalmente não só entender o que é isso como ter certeza que só poderia ser esta a explicação para o que vínhamos observando no RNA dos bivalves!

O rRNA 28S dos insetos possui uma seqüência específica que funciona como um sinal para a introdução de uma hidden break, literalmente, uma quebra na cadeia de RNA. Através de um mecanismo de processamento (splicing), esta seqüência é excisada, gerando dois fragmentos de tamanhos bem próximos, uma vez que a seqüência sinal está posicionada quase que no meio da molécula. Portanto, o rRNA 28S destes organismos não é uma molécula contínua, mas in vivo, os dois fragmentos permanecem "unidos" por meio de estruturas secundárias. O RNA, por ser fita simples, tem o potencial de formar estruturas secundárias por pareamento de bases de grande complexidade, como as formadas pelos RNA ribossomais.

Após a extração do RNA, qualquer coisa que perturbe estas estruturas secundárias irá resultar na separação dos dois fragmentos. E estes, além de terem tamanhos quase idênticos, são também praticamente do mesmo tamanho do rRNA 18S!

E Isso explica perfeitamente as observações do RNA ribossomal dos moluscos bivalves:
  • Em gel não desnaturante, é possível visualizar duas bandas, pois os dois fragmentos da subunidade maior, permanecem unidos. No entanto, a estabilidade deste complexo pode não ser tão grande e, eventualmente, os fragmentos podem se dissociar mesmo em condições nativas e, neste caso, apenas uma banda é detectada, pois os dois fragmentos apresentam o mesmo padrão de migração do rRNA 18S. Mas, também pode ocorrer dissociação de apenas parte dos rRNA 28S, resultando na visualização de duas bandas, sendo a de menor tamanho mais intensa (por conter o rRNA 18S e os fragmentos do 28S).
E o nome hidden break se deve ao fato de, em geral, esta quebra não ser perceptível em condições não desnaturantes.
  • Já em um gel desnaturante, as moléculas de RNA são totalmente linearizadas, ou seja, todas as estruturas secundárias são desfeitas e se observa apenas uma banda, que contém os dois fragmentos da subunidade maior e o rRNA 18S.
Mas nem sempre, os fragmentos resultantes da hidden break são do mesmo tamanho. Em algumas espécies, são gerados fragmentos de tamanhos distintos.

A princípio, achava-se que as hidden breaks estivessem restritas a alguns grupos de protostomados (inclusive, algumas espécies de moluscos), mas, recentemente, foi descrita a ocorrência destas quebras no rRNA 28S de roedores do gênero Ctenomys (Melen et al, 1999) em um trabalho bonitinho publicado no EMBO Journal, mas que ainda não terminei der ler. Interessantemente, em quatro espécies deste grupo, a hidden break é expressa em todos os tecidos, menos nos testículos, onde um mecanismo de splicing retira o íntron que contém a seqüência sinal para a hidden break. Este é um forte indício de que a ocorrência destas quebras tenha alguma relevância biológica, o que vai de encontro com a idéia até então prevalecente de que tais quebras sejam toleradas por terem pouco efeito na estrutura do ribossomo.
Por isso, estava pensando em extrair o RNA total de todos os tecidos possíveis, de uma das espécies ao menos, e analisá-los em em condições desnaturantes, para ver se, quem sabe, há algum padrão de expressão tecido-específico destas quebras, nos moluscos também. Embora, isso não seja suficiente para demonstrar a existência de um padrão de expressão, mas poderia fornecer um indício. Outra coisa sobre a qual pensar é em como demonstrar a existência e a localização das hidden breaks, o que acho ser importante para avaliarmos a sua influência nas reações de retrotranscrição.
Mas a pergunta que não quer calar é: por que, numa molécula enorme, esta quebra tinha que ser justamente no meio dela e dar origem a fragmentos do mesmo tamanho que o 18S? Só pode ser para nos fazer quebrar a cabeça! :-)

6 comentários:

Eliane, a Lia disse...

ahahahaha excelente! mas é claro q é pra kebrar a nossa cabeça, kem manda sermos metidos à besta de tentar entender coisas da natureza?!?!?!
ahhhhhhh agora entendi q pi....a q o mauro te deu pra resolver! vou te falar: não ia achar as desgraças dos artigos mas neeeeeeeeeeeeeeeeem q ficasse 10 horas a fio no pubmed. sou uma incompetente pra isso :(
texto ficou mt bom, aprendendo mt bio mol com vc!!!

Mauro Rebelo disse...

Oi Ju,

O texto está mesmo muito bom. Agora quero ver o artigo sobre o problema que esses breaks podem causar no uso do RNA 28s como normatizador em reações de PCR quantitativo! Valeu,

Anônimo disse...

Muito bom seu blog, aconteceu algo parecido comigo, me ajudou bastante esse post!

Juliana Americo disse...

Obrigada,
que bom que o ajudou!

Juliana Americo disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Juliana Americo disse...
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