Em um dos meus últimos textos, escrevi sobre os desafios que as ostras enfrentam por não poderem se locomover: quando algo no ambiente ao seu redor não vai bem, elas tem que lidar com isso, pois fugir não é uma opção. Mas algo que não mencionei é que as ostras não são sésseis durante toda a sua vida. Nos primeiros estágios do seu desenvolvimento, elas passam por fases larvais quando, apesar de não nadarem ativamente contra correntes, se movem verticalmente, para cima e para baixo, na coluna d'água. Nesta fase da vida, a larva tem que "tomar uma decisão" que irá determinar a sua sobrevivência: selecionar um local apropriado para se estabelecer, se fixar e continuar o seu desenvolvimento até a fase adulta e séssil. Um local para passar o resto da sua vida. Uma grande decisão! Como estas pequenas larvas, comparáveis a uma gota no oceano, conseguem fazer isso é uma pergunta que cientistas já vinham investigando, mas que ainda não sabem responder completamente.
Sabemos que as larvas conseguem processar alguns sinais físicos e químicos do ambiente, como salinidade, a presença de substâncias químicas e características como a textura da superfície. Mas estes são fatores que só podem ser avaliados em pequena escala, em uma pequena área, pré selecionada pela larva. É como procurar um apartamento para morar. Primeiro, você irá escolher um ou poucos bairros de preferência, em seguida, irá selecionar anúncios que parecem atender as suas necessidades de preço, espaço, etc, e, por fim, irá selecionar somente alguns apartamentos para visitar pessoalmente, pois seria impossível visitar todos os apartamentos a venda em uma grande cidade. Da mesma forma, seria impossível para uma larva inspecionar todo o fundo do mar, até encontrar um local apropriado para se fixar. Já que larvas não podem ligar para um corretor, como elas fazem isso?
Acontece que as ostras gostam de uma vizinhança barulhenta. Os recifes e outras zonas entremarés, locais preferidos pelas ostras, são ecossistemas que produzem bastante ruído. Ao contrário de outras áreas do fundo do mar, que não tem uma concentração grande de organismos, os recifes estão repletos de peixes e invertebrados que produzem ruídos tão altos que podem até ser ouvidos por mergulhadores.
Pesquisadores da Universidade da Carolina do Norte (EUA) se perguntaram se as larvas de alguma forma se guiam pelos sons emitidos por esses ecossistemas. Para testar esta hipótese, eles gravaram os sons de um recife de ostras e também de uma área sem recifes e viram que os perfis sonoros produzidos são realmente diferentes. No laboratório, eles fizeram testes com larvas em tanques, e viram que um maior número de larvas se fixou no substrato quando expostas aos sons característicos de um recife, do que quando expostas aos sons da zona sem recifes ou a som algum. Os pesquisadores também fizeram esse experimento no ambiente natural, colocando as larvas, em recipientes que somente o som atravessa, nas águas de um recife, e em uma área sem recifes. O mesmo resultado foi obtido!
Tudo isso indica que o som é realmente um sinal importante para as larvas se estabelecerem no ambiente apropriado e, é possível que isso também se aplique a várias outras espécies animais que também passam pelo estágio de larva. Mais do que interessante, esta descoberta é importante para a conservação destas espécies, para projetos que buscam recuperar recifes de ostras, ameaçados em muitas partes do mundo, e levanta questões importantes sobre os impactos da poluição sonora em ambientes aquáticos. E como na ciência, uma resposta acaba criando novas perguntas, fica a questão: como as larvas percebem, processam e interpretam o som?
-------------------------------------------------
Ficou curioso para saber como é o som dos recifes de ostras? Você pode ouvir as gravações feitas pelos cientistas neste site: http://www.dosits.org/audio/interactive/#/78
--------------------------------------------------
Referências:
Lillis, Ashlee et al. (2013) Oyster Larvae Settle in Response to Habitat-Associated Underwater Sounds. Plos One, 8(10), e79337. DOI: 10.1371/journal.pone.0079337