19 de abril de 2013

Com quantos genes se faz uma ostra?

ResearchBlogging.org
Diante de uma ameaça ou perigo eminente, qual a sua reação? Eu admito que quando aparece uma barata, eu saio correndo! Embora baratas não façam mal algum, diante de uma ameaça real, nosso instinto geralmente é o de fuga. É fácil entender porque poder se locomover é uma grande vantagem entre os animais e não somente em situações de perigo eminente, como a aproximação de um predador. Se por qualquer motivo “o mar não estiver para peixe”, é possível procurar refúgio ou melhores condições de vida em outro lugar, com maior disponibilidade de alimento ou um clima mais ameno, por exemplo. Além disso, poder dar uma voltinha por aí também pode aumentar as chances de encontrar um parceiro! ;-)

Ainda assim, muitos animais são sésseis, não podem se locomover. As ostras são assim. E você pode imaginar que esse modo de vida não é nada fácil. E para piorar, as ostras escolheram um ambiente bastante estressante para viver: os estuários.


Um estuário é um ambiente de transição entre um rio e o mar e está sempre mudando, pois está sobre a influência das marés. Quando a maré sobe, há uma maior quantidade de água salgada e menor de água doce, proveniente do rio e quando baixa, esse quadro se inverte. Assim, a quantidade de sal na água varia com a maré, mas nunca chega a ser totalmente doce ou salgada, é algo intermediário: salobra.

Também em função da maré, as margens ora estão expostas ao ar, ora, alagadas. Com isso, as ostras são periodicamente expostas ao ar (e muitas vezes a um sol escaldante!) por várias horas. E isso não é tudo. A água de um estuário é cheia de patógenos, vírus, bactérias, fungos e protozoários que podem causar doenças nas ostras. E atualmente muitos estuários recebem uma “carga extra” de patógenos e de substâncias tóxicas resultantes da poluição causada pelo homem. No final das contas, é impressionante como as ostras, sem nunca sairem do lugar, conseguem lidar com tantas perturbações e sobreviverem nesse ambiente.

A adaptação à vida séssil (e estressante!) mais óbvia das ostras é a espessa e resistente concha. Poucos predadores conseguem quebrá-la (um deles é a estrela do mar) e quando a maré baixa e a ostra é exposta ao ar, ou quando a água não está lá essas coisas, a ostra apenas fecha hermeticamente a sua concha e consegue ficar assim por até vários dias. Mas por mais espessa que a concha seja, ela não resolve todos os problemas e ficar trancafiada por dias com apenas uma pequena quantidade de água sob sol forte também não parece sustentável a longo prazo.

A ostra do Pacífico (Crassostrea gigas) foi o primeiro molusco a ter o genoma sequenciado (Zhang et al., 2012). E o que os pesquisadores encontraram no seu genoma reflete a sua incrível adaptação a este ambiente e explica muito da sua grande resistência ao estresse ambiental. Eles viram que entre os mais de 28 mil genes desta ostra existem muito mais genes de defesa do que em outros animais, entre os quais, genes de proteínas do sistema imune, de antioxidantes, de enzimas que metabolizam compostos tóxicos e de proteínas que inibem a morte celular.

Por exemplo, a C. gigas possui 88 proteínas do tipo HSP70, uma quantidade nunca vista em nenhum outro animal. As HSP70 são importantes para manter a estrutura das outras proteínas celulares intactas, principalmente em situações de estresse como o calor excessivo, garantindo que elas continuem a funcionar corretamente. Para você ter uma ideia, nós humanos temos apenas 17 proteínas HSP70 em nosso genoma. Deu para ver como as ostras estão muito mais bem equipadas, não é?

O genoma de C. gigas também possui um grande número de genes envolvidos na sinalização celular. É através de sofisticados mecanismos de sinalização, que grande parte dos processos que ocorrem em uma célula são regulados e podem responder a estímulos vindos do ambiente. O grande número de genes envolvidos nesses mecanismos sugere que a sinalização celular em C. gigas é bastante complexa e deve exercer um papel importante “orquestrando” os seus mecanismos de defesa que também não perdem em complexidade: mais de 5 mil genes da ostra respondem ao estresse, aumentando ou diminuindo a sua atividade.

No final das contas, um organismo aparentemente simples e, digamos a verdade, que mais parece uma pedra, esconde uma grande complexidade biológica. Da próxima vez que você apreciar uma ostra com limão, lembre-se que você estará comendo um verdadeiro arsenal genético contra o estresse ambiental! 

Agora, imaginem o que não encontraremos no genoma do mexilhão dourado, uma espécie invasora, extremamente resistente, de crescimento e reprodução rápidos e de difícil controle? Se você também se preocupa com os danos ecológicos que o mexilhão dourado pode causar no nosso país e acredita que conhecer seu genoma é um passo estratégico e importante para o seu combate, pode nos ajudar a financiar o projeto de sequenciamento do seu genoma. Você pode dar qualquer "forcinha" a partir de R$10 e, como agradecimento, um gene do mexilhão dourado será nomeado em sua homenagem!  :-) Assista o vídeo abaixo (de apenas 4 minutos!) e acesse o site (http://catarse.me/pt/genoma) para conhecer melhor o projeto.


4 comentários:

Milena Domingues disse...

Ju, seu texto está simplesmente excente! Você começou da maneira mais criativa e atraente que poderia. Parabéns!!!

Milena Domingues disse...

Ah, Ju, posta aí para quem tiver curiosidade qual o tamanho do genoma e número de genes da ostra, comparados com os nossos. ;)

Juliana Americo disse...

Obrigada, Milena! :-)
O problema é que o pessoal do genoma humano ainda não "decidiu" quantos genes temos! hehe mas vou atualizar o post! :)

Sara disse...

não há nada mais belo do que comer todas essas coisas legais, eu espero que você tenha a chance de experimentá-los a um restaurantes em sao paulo