28 de abril de 2010

O todo é mais que a soma das partes.



Impressões sobre o Systems Biology Meeting – Ouro Preto – MG – 2010.

 A ciência sempre estudou as partes como meio de entender o todo. Mas nem sempre as partes se encaixam ou podem ser corretamente interpretadas quando isoladas. Quando olhamos para o todo, temos a perspectiva correta para colocar todas as peças no lugar e entender todas as conexões da complexa e dinâmica rede de moléculas que regem uma célula."

                                   (RNAse Free, “Eu vejo um novo começo de Era”, 29/01/2010)

A biologia de sistemas se sustenta sobre esta premissa. Seu objetivo: entender como uma célula ou um organismo funciona como um todo. Um organismo é um sistema complexo formado por componentes de diferentes propriedades e pelas conexões entre eles. 
Avanços tecnológicos recentes têm permitido que tenhamos uma visão mais global dos processos biológicos através de técnicas que produzem grandes quantidade e diversidade de dados.

O sistema e seus componentes.

Grande parte dos projetos ainda está concentrada na identificação dos componentes que constituem os sistemas biológicos: genoma, transcriptoma, proteoma, metaboloma, lipidoma, etc. Mesmo assim, ainda faltam muitas “peças” para sermos capazes de montar a “máquina” da vida.
Se não conhecemos todas as suas peças, não podemos entender como esta máquina funciona e nem criar modelos universais que a descrevam. E quanto mais genomas, transcriptomas e proteomas são seqüenciados, mais encontramos genes e proteínas desconhecidas, RNAs não codificantes – pequenos ou longos – de funções ainda desconhecidas. Peças que ainda não sabemos onde se encaixam e nem o que fazem.

As conexões do sistema.

Para montar esta máquina, além de conhecer suas partes, temos que entender como elas se relacionam, como se conectam. Conhecer as conexões entre os componentes de um sistema é essencial para entendermos como ele funciona.  E, pelo que vi neste encontro, este é atualmente um dos maiores desafios. Para superá-lo é imprescindível o desenvolvimento de ferramentas computacionais para manejar, interpretar e integrar a enorme quantidade de dados gerados por técnicas cada vez mais “high throughput”.
Mas muitos avanços já foram feitos. Ferramentas estão sendo desenvolvidas para integrar estes dados, gerar modelos matemáticos e montar redes de interação.
Como eu já falei aqui, a complexidade dos organismos está intrinsicamente relacionada a sua capacidade de regular seus componentes. E grande parte das “novas peças” -  RNAs não codificantes e sequências genômicas antes consideradas DNA “lixo” – estão aparentemente envolvidas em mecanismos de regulação gênica. Entender estes mecanismos de regulação é um passo importante para saber como todas as peças se encaixam para formar um sistema funcional.

O sistema a nosso favor: biologia sintética.

A biologia de sistemas busca integrar diferentes tipos de dados, achar a conexão entre eles para, por fim, criar modelos que permitam prever fenômenos biológicos, dados os componentes envolvidos. Embora isso ainda não seja exatamente uma realidade, esta história já tem um belo começo e começa a gerar frutos. Aplicações biotecnológicas para todo este conhecimento já começam a surgir.
Conhecendo as peças de uma máquina, como se encaixam e como juntas funcionam, podemos modificá-la ou, seguindo os seus princípios, criar uma máquina nova. E é isso que a biologia sintética se propõe a fazer: criar sistemas biológicos modificados para, por exemplo, produzir biocompostos, com maior eficiência. Fazer com que a máquina trabalhe a nosso favor.

O sistema é multidisciplinar

Ao final de cada palestra, havia sempre uma longa lista de pessoas envolvidas no projeto: professores, pós docs, doutorandos, mestrandos, alunos de graduação e colaboradores externos. A biologia de sistemas é a integração de várias disciplinas e seus projetos só podem ser executados através da colaboração entre profissionais com diferentes especialidades e mesmo entre instituições com infra-estruturas complementares, uma vez que muitos dos equipamentos necessários não são banais, mesmo para instituições acima da linha do equador.
Alguns palestrantes mostraram, inclusive, um fluxograma de etapas e pessoas, mostrando como todos estão conectados e como um depende dos dados do outro para realizar o seu trabalho.
Há quem veja a especialização do conhecimento com maus olhos, mas convenhamos que não há outro jeito. Estes projetos envolvem biologia molecular, celular, bioquímica, matemática, estatística e ciências computacionais em níveis avançados. Dificilmente, um único ser humano seria excepcional em todas estas áreas. Mas embora cada um faça sua parte, é importante que todos tenham um conhecimento mínimo de todas as etapas envolvidas e do projeto como um todo e, assim, não percam a perspectiva.
Achei muito legal ver trabalhos serem feitos totalmente em colaboração. Todos em um grupo de pesquisa, trabalhando dentro de um mesmo tema, por um mesmo projeto, para responder perguntas diferentes, mas dentro de uma questão maior. Até onde eu sei, isso não é tão comum aqui no Brasil. Geralmente, é cada aluno com o seu projeto. Por mais que estes projetos tenham alguma relação ou estejam dentro de um mesmo tema, não são tão interconectados e colaborativos assim. Penso em como poderíamos produzir trabalhos mais completos, se pensássemos e trabalhássemos mais em equipe!

8 comentários:

Milena Domingues disse...

Ju, achei fantástico esse trecho sobre colaborações. Concordo plenamente com você: precisamos aprender a trabalhar em equipe para que o todo seja ainda mais do que a soma das partes!

Só fiquei com uma dúvida sobre o texto: como é exatamente este lance de "criar sistemas biológicos modificados"???

Parabéns pelo texto!

Abraços,
Milena.

Juliana Americo disse...

Oi Milena,

Obrigada pelo comentário! :)

Estes "sistemas biológicos modificados" são mais do que a egenharia genética já tem nos permitido fazer (inserir ou remover um gene por exemplo). Além de fazer com que um organismo produza um composto de interesse, aumentar a eficiência deste processo, manipulando seu metabolismo de forma a concentrar sua energia no processo de síntese de interesse.

Como isto pode ser feito? É assunto para outro post! Que pretendo escrever :-)

Abraços,
Juliana

Cláudia Schoof disse...

Oi Juliana! Parabéns pelo texto!
O conhecimento científico parece estar cada vez mais fragmentado, sendo que as pesquisas quase sempre visam estudar um assunto específico, não englobando o todo e assim perdendo informações importantes. Como você mesma falou, é praticamente impossível para uma única pessoa dominar diferentes técnicas necessárias para uma análise mais global, mas é extremamente necessário que cada vez mais nós pesquisadores tenhamos uma "mente aberta", tentanto apreender um pouco de tudo e não ficarmos isolados num único conhecimento. Acho que a chave é a interdisciplinaridade, o que demnanda muita colaboração entre as diferentes partes do conhecimento. Não sei, talvez seja impressão minha, mas acredito que nós brasileiros ainda sejamos um pouco conservadores em relação a esse tipo de coisa. Mas mudanças neste tipo de pensamento vão acontecendo, mesmo que lentamente, né?

Abs,
Cláudia

Juliana Americo disse...

Cláudia,
Obrigada pelo comentário!

Concordo com você. Se especializar em uma área não quer dizer abdicar de todas as outras, ainda mais em novas áreas, como a biologia de sistemas, que demandam esta interação constante entre diferentes disciplinas.

Acho que não são só os brasileiros que são conservadores em relação a isso, mas a comunidade científica como um todo. Pois, pensando melhor, as palestras que eu assisti eram justamente de uma área pioneira em traçar estratégias que englobem disciplinas tão diferentes como genética e matemática. Mas, como você disse, aos poucos as coisas vão mudando conforme novas necessidades surgem.

Abs
Juliana

Anônimo disse...

Oi Juliana!

Cadê você?

Juliana Americo disse...

Oi Anônimo!

Eu estou aqui. Um pouco sumida do blog...mas em breve postarei novos textos.

Carol disse...

Oi Juliana!

Estou começando num mestrado agora, de patologia molecular, no setor da biomol. Estou quase enlouquecendo, mas com muita felicidade, hehe!

Ao ler seu blog, me identifiquei bastante com suas postagens e espero trocar idéias com você em breve!

Abraço!

Juliana Americo disse...

Oi Carol,

Legal! Espero outras visitas e comentários seus por aqui :-)

Abraços!